terça-feira, 7 de dezembro de 2010

domingo, 27 de junho de 2010

Prof. Aziz Ab'Saber - Código Florestal

Do Código Florestal para o Código da Biodiversidade

Em face do gigantismo do território e da situação real em que se encontram os seus macro biomas – Amazônia Brasileira, Brasil Tropical Atlântico, Cerrados do Brasil Central, Planalto das Araucárias, e Pradarias Mistas do Brasil Subtropical – e de seus numerosos mini-biomas, faixas de transição e relictos de ecossistemas, qualquer tentativa de mudança no “Código Florestal” tem que ser conduzido por pessoas competentes e bioeticamente sensíveis.

Pressionar por uma liberação ampla dos processos de desmatamento significa desconhecer a progressividade de cenários bióticos, a diferentes espaços de tempo futuro. Favorecendo de modo simplório e ignorante os desejos patrimoniais de classes sociais que só pensam em seus interesses pessoais, no contexto de um país dotado de grandes desigualdades sociais. Cidadãos de classe social privilegiada, que nada entendem de previsão de impactos. Não tem qualquer ética com a natureza. Não buscam encontrar modelos tecnico-cientificos adequados para a recuperação de áreas degradadas, seja na Amazônia, , seja no Brasil Tropical Atlântico, ou alhures. Pessoas para as quais exigir a adoção de atividades agrárias “ecologicamente auto-sustentadas” é uma mania de cientistas irrealistas.

Por muitas razoes, se houvesse um movimento para aprimorar o atual Código Florestal, teria que envolver o sentido mais amplo de um Código de Biodiversidades, levando em conta o complexo mosaico vegetacional de nosso território. Remetemos essa idéia para Brasília, e recebemos em resposta que essa era uma idéia boa mas complexa e inoportuna (...). Entrementes, agora outras personalidades trabalham por mudanças estapafúrdias e arrasadoras no chamado Código Florestal. Razão pela qual ousamos criticar aqueles que insistem em argumentos genéricos e perigosos para o futuro do país. Sendo necessário, mais do que nunca, evitar que gente de outras terras sobretudo de países hegemônicos venha a dizer que fica comprovado que o Brasil não tem competência para dirigir a Amazônia (...). Ou seja, os revisores do atual Código Florestal não teriam competência para dirigir o seu todo territorial do Brasil. Que tristeza, gente minha.
O primeiro grande erro dos que no momento lideram a revisão do Código Florestal brasileiro – a favor de classes sociais privilegiadas – diz respeito à chamada estadualização dos fatos ecológicos de seu território especifico. Sem lembrar que as delicadíssimas questões referentes à progressividade do desmatamento exigem ações conjuntas dos órgãos federais específicos, em conjunto com órgãos estaduais similares, uma Policia Federal rural, e o Exercito Brasileiro. Tudo conectado ainda com autoridades municipais, que tem muito a aprender com um Código novo que envolve todos os macro-biomas do pais, e os mini-biomas que os pontilham, com especial atenção para as faixas litorâneas, faixas de contato entre as áreas nucleares de cada domínio morfoclimatico e fitogeográfico do território. Para pessoas inteligentes, capazes de prever impactos, a diferentes tempos do futuro, fica claro que ao invés da “estadualização”, é absolutamente necessário focar para o zoneamento físico e ecológico de todos os domínios de natureza dos pais. A saber, as duas principais faixas de Florestas Tropicais Brasileiras: a zonal amazônica e a azonal das matas atlânticas o domínio dos cerrados, cerradoes e campestres: a complexa região semi-árida dos sertões nordestinos: os planaltos de araucárias e as pradarias mistas do Rio Grande do Sul, alem de nosso litoral e o Pantanal Mato-grossense.

Seria preciso lembrar ao honrado relator Aldo Rabelo, que a meu ver é bastante neófito em matéria de questões ecológicas, espaciais e em futurologia – que atualmente na Amazônia Brasileira predomina um verdadeiro exercito paralelo de fazendeiros que em sua área de atuação tem mais força do que governadores e prefeitos. O que se viu em Marabá, com a passagem das tropas de fazendeiros, passando pela Avenida da Transamazônica, deveria ser conhecido pelos congressistas de Brasília, e diferentes membros do executivo. De cada uma das fazendas regionais passava um grupo de cinqüenta a sessenta camaradas, tendo a frente em cavalos nobres, o dono da fazenda e sua esposa, e os filhos em cavalos lindos. E,os grupos iam passando separados entre si, por alguns minutos. E , alguém a pé, como se fosse um comandante, controlava a passagem da cavalgada dos fazendeiros. Ninguém da boa e importante cidade de Marabá saiu para observar a coluna amedrontadora dos fazendeiros. Somente dois bicicletistas meninos, deixaram as bicicletas na beira da calçada olhando silentes a passagem das tropas. Nenhum jornal do Pará, ou alhures, noticiou a ocorrência amedrontadora. Alguns de nós não pudemos atravessar a ponte para participar de um evento cultural.

Será certamente, apoiados por fatos como esse, que alguns proprietários de terras amazônicas deram sua mensagem, nos termos de que “a propriedade é minha e eu faço com ela o que eu quiser, como quiser e quando quiser”. Mas ninguém esclarece como conquistaram seus imensos espaços inicialmente florestados. Sendo que, alguns outros, vivendo em diferentes áreas do cetro-sul brasileiro, quando perguntados sobre como enriqueceram tanto, esclarecem que foi com os “seus negócios na Amazônia” (...). Ou sejam, através de loteamentos ilegais, venda de glebas para incautos em locais de difícil acesso, os quais ao fim de um certo tempo, são libertados para madeireiros contumazes. E, o fato mais infeliz é que ninguém procura novos conhecimentos para re-utilizar ter ras degradadas. Ou exigir dos governantes tecnologias adequadas para revitalizar os solos que perderam nutrientes e argilas, tornando-se dominadas por areias finas (siltizaçao).

Entre os muitos aspectos caóticos, derivados de alguns argumentos dos revisores do Código, destaca-se a frase que diz que se deve proteger a vegetação até sete metros e meio do rio. Uma redução de um fato que por si já estava muito errado, porém agora esta reduzido genericamente a quase nada em relação aos grandes rios do pais. Imagine-se que para o rio Amazonas, a exigência protetora fosse apenas sete metros, enquanto para a grande maioria dos ribeirões e córregos também fosse aplicada a mesma exigência. Trata-se de desconhecimento entristecedor sobre a ordem de grandeza das redes hidrográficas do território intertropical brasileiro. Na linguagem amazônica tradicional, o próprio povo já reconheceu fatos referentes à tipologia dos rios regionais. Para eles, ali existem, em ordem crescente: igarapés, riozinhos, rios e parás. Uma última divisão lógica e pragmática, que é aceita por todos os que conhecem a realidade da rede fluvial amazônica.

Por desconhecer tais fatos os relatores da revisão aplicam o espaço de sete metros da beira de todos os cursos d’água fluviais sem mesmo ter ido lá para conhecer o fantástico mosaico de rios do território regional. Mas o pior é que as novas exigências do Código Florestal proposto têm um caráter de liberação excessiva e abusiva. Fala-se em sete metros e meio das florestas beiradeiras (ripario-biomas), e, depois em preservação da vegetação de eventuais e distantes cimeiras. Não podendo imaginar quanto espaço fica liberado para qualquer tipo de ocupação do espaço. Lamentável em termos de planejamento regional, de espaços rurais e silvestres. Lamentável em termos de generalizações forçadas por grupos de interesse (ruralistas).

Já se poderia prever que um dia os interessados em terras amazônicas iriam pressionar de novo pela modificação do percentual a ser preservado em cada uma das propriedades de terras na Amazônia. O argumento simplista merece uma critica decisiva e radical. Para eles, se em regiões do centro-sul brasileiro a taxa de proteção interna da vegetação florestal é de 20%, porque na Amazônia a lei exige 80%. Mas ninguém tem a coragem de analisar o que aconteceu nos espaços ecológicos de São Paulo, Paraná, Santa Catarina, e Minas Gerais com o percentual de 20%. Nos planaltos interiores de São Paulo a somatória dos desmatamentos atingiu cenários de generalizada derruição. Nessas importantes áreas, dominadas por florestas e redutos de cerrados e campestres, somente o tombamento integrado da Serra do Mar, envolvendo as matas atlânticas, os solos e as aguadas da notável escarpa, foi capaz de resguardar os ecossistemas orográficos da acidentada região. O restante, nos “mares de morros”, colinas e várzeas do Médio Paraíba e do Planalto Paulistano, e pró-parte da Serra da Mantiqueira, sofreram uma derruição deplorável. É o que alguém no Brasil – falando de gente inteligente e bioética – não quer que se repita na Amazônia Brasileira, em um espaço de 4.200.000 km².

Os relatores do Código Florestal, falam em que as áreas muito desmatadas e degradadas poderiam ficar sujeitas a “(re)florestamento” por espécies homogêneas pensando em eucalipto e pinus. Uma prova de sua grande ignorância, pois não sabem a menor diferença entre reflorestamento e florestramento. Esse último,pretendido por eles, é um fato exclusivamente de interesse econômico empresarial, que infelizmente não pretende preservar biodiversidades. Sendo que, eles procuram desconhecer que para áreas muito degradadas, foi feito um plano de (re) organização dos espaços remanescentes, sob o enfoque de revigorar a economia de pequenos e médios proprietários: Projeto FLORAM. Os eucaliptologos perdem éticos quando alugam espaços por trinta anos, de incautos propr ietários, preferindo áreas dotadas ainda de solos tropicais férteis,do tipo dos oxissolos, e evitando as áreas degradadas de morros pelados reduzidas a trilhas de pisoteio, hipsométricas, semelhantes ao protótipo existente no Planalto do Alto Paraíba, em São Paulo. Ao arrendar terras de bisonhos proprietários, para uso em 30 anos, e sabendo que os donos da terra podem morrer quando se completar o prazo. Fato que cria um grande problema judicial para os herdeiros, sendo que ao fim de uma negociação as empresas cortam todas as árvores de eucaliptos ou pinos, deixando miríades de troncos no chão do espaço terrestre. Um cenário que impede a posterior reutilização das terras para atividades agrárias. Tudo isso deveria ser conhecido por aqueles que defendem ferozmente um Código Florestal liberalizante.

Por todas as razoes somos obrigados a criticar a persistente e repetitiva argumentação do deputado Aldo Rebelo,que conhecemos ha muito tempo, e de quem sempre esperávamos o melhor, no momento somos obrigados a lembrar a ele que cada um de nós tem que pensar na sua biografia, e , sendo político, tem que honrar a historia de seus partidos. Mormente,em relação aos partidos que se dizem de esquerda e jamais poderiam fazer projetos totalmente dirigidos para os interesses pessoais de latifundiários.

Insistimos que em qualquer revisão do Código Florestal vigente, deve-se enfocar as diretrizes através das grandes regiões naturais do Brasil, sobretudo domínios de natureza muito diferentes entre si, tais como a Amazônia, e suas extensíssimas florestas tropicais, e o Nordeste Seco, com seus diferentes tipos de caatingas. Tratam-se de duas regiões opósitas em relação à fisionomia e à ecologia, assim como em face das suas condições socioambientais. Ao tomar partido pelos grandes domínios administrados técnica e cientificamente por órgãos do executivo federal, teríamos que conectar instituições específicas do governo brasileiro com instituições estaduais similares. Existem regiões como a Amazônia que envolve conexões com nove estados do Norte Brasil eiro. Em relação ao Brasil Tropical Atlântico os órgãos do Governo Federal – IBAMA, IPHAN, FUNAI e INCRA – teriam que manter conexões com os diversos setores similares dos governos estaduais de norte a sul do Brasil. E assim por diante.

Enquanto o mundo inteiro repugna para a diminuição radical de emissão de CO2, o projeto de reforma proposto na Câmara Federal de revisão do Código Florestal defende um processo que significará uma onda de desmatamento e emissões incontroláveis de gás carbônico, fato observado por muitos críticos em diversos trabalhos e entrevistas. Parece ser muito difícil para pessoas não iniciadas em cenários cartográficos perceber os efeitos de um desmatamento na Amazônia de até 80% das propriedades rurais silvestres. Em qualquer espaço do território amazônico, que vem sendo estabelecidas glebas com desmate de até 80%,haverá um mosaico caótico de áreas desmatadas e faixas inter-propriedades estreitas e mal preservadas. Nesse caso, as bordas dos restos de florestas, inter-glebas ficarao à mercê de corte de arvores dotadas de madeiras nobres. E além disso, a biodiversidade animal certamente será profundamente afetada.
Seria necessário que os pretensos reformuladores do Código Florestal lançassem sobre o papel os limites de glebas de 500 a milhares de quilômetros quadrados, e dentro de cada parcela das glebas colocasse indicações de 20% correspondente às florestas ditas preservadas. E, observando o resultado desse mapeamento simulado, poderiam perceber que o caminho da devastação lenta e progressiva iria criar alguns quadros de devastação similares ao que já aconteceu nos confins das longas estradas e seus ramais, em áreas de quarteirões implantados para venda de lotes de 50 a 100 hectares, onde o arrasamento de florestas no interior de cada quarteirão foi total e inconseqüente.

Aziz Nacib Ab’Sáber
São Paulo, 16 de junho de 2010

Aziz Nacib Ab’Saber, 85 anos, é Professor-Emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo e Membro Honorário da Sociedade de Arqueologia Brasileira.
Já recebeu, dentre diversas honrarias nacionais e internacionais, o Prêmio Unesco para Ciência e Meio Ambiente de 2001

sexta-feira, 26 de março de 2010

A HORA DO PLANETA 2010

DIA: 27/03 ( SÁBADO), HORAS: 20:30 (BSB)
O movimento acontecerá em 117 países e 2.383 cidades. 812 monumentos e lugares ao redor do globo ficarão no escuro durante a Hora do Planeta. No Brasil, o movimento ganhou mais duas adesões de peso: os governos estaduais do Acre e Minas Gerais.

terça-feira, 23 de março de 2010

Um pouco da Amazônia...



AMAZÔNIA, um mundo diferente (1)
“Eu posso afirmar, sem medo de errar, que, se essa floresta for derrubada, ou mesmo substituída por outro tipo de vegetação, dentro de poucos anos não restará mais nada por aqui a não ser um imenso e desolador deserto.” (Dr.Schubart)
ÁREA E LOCALIZAÇÃO
A bacia amazônica abrange territórios dos seguintes países da América do Sul: Brasil, Colômbia, Venezuela, Peru, Equador, Bolívia e Guiana Britânica. Compreende uma área total de mais de 6,5 milhões de km2. Trata-se de “uma unidade regional que permite considerar o conjunto amazônico como um mundo particular dentro do mundo sulamericano”. (Ferreira Reis )(1)
A Amazônia brasileira consta de 4 milhões de km². Quais as terras do Brasil que formam parte dela? São os estados de Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e partes dos estados de Tocantíns, Maranhão, Matto Grosso e Goiás.
O RIO AMAZONAS
“Rio majestoso que encerra uma décima das águas fluviais de todo o globo.” (Teodoro Roosevelt) (2)O rio Amazonas, eixo da bacia, principal do conjunto fluvial da volumosa massa dágua possui 6.294 km. O Amazonas foi descoberto em 1540 pelo espanhol Orelhana: “O primeiro explorador da volumosa artéria, egressou do Peru, nas aperturas dum combate malogrado, mal escapou das frechas selvagens, criou a lenda das Amazonas, mulheres guerreiras que conseguiram, afinal, dar o nome da tribo ao rio”. (Raymundo Moraes) (3) Recebe quase 200 afluentes, dos quais uns 100 são navegáveis e tendo 17 deles de 1.500 a 3.600 km Despeja no oceano maior quantia dágua que o Mississipi e o Nilo juntos. “O Amazonas pode ser navegado por grandes transatlânticos ao longo de todo o seu curso em território brasileiro.” (Nash )(4)
O Amazonas e a floresta
“ O Amazonas é o rio mais caudaloso do mundo. Suas águas correm do ocidente para o oriente, do ocaso para o levante, dos Andes para o Atlântico. A parte mais importante do seu curso demora quase toda na linha do equador, ao passo que a bacia formada pelos seus afluentes se alonga por muitos graus ao norte e ao sul deste círculo. Essa bacia equatorial gigantesca se acha dominada por imensa floresta –a maior do mundo- não se podendo compará-la a qualquer outra, exceto as da Malásia, e Africa Ocidental.” (Roosevelt)
As enchentes
Muito variáveis são as alturas das enchentes do Amazonas: “No curso inferior do Amazonas, abaixo de Obidos, a enchente máxima nunca excede a 12 ms sobre a jusante mínima. Em Tefé, porém, no alto Amazonas, são 2 as convulsões anuais do rio-mar: uma de apenas 5 ms em novembro e dezembro e outra de 15 ms em junho. As artérias entumecidas da região do Purús elevam-se de 20 ms, quando o caudal se enraivece”. (Nash)
O Amazonas constroi
“Constroi, porque nas descidas das águas fertiliza, com os sedimentos vários que deixa sobre as margens, permitindo aquelas lavouras alimentares que garantem ao homem o necessário para a acometida que ele realiza sobre a floresta. Essas margens baixas, e assim tão úteis, lavadas e adubadas são as várzeas, que por tal se distinguem das chamadas terras firmes”. (Ferreira Reis)
O Amazonas destroi
“Destroi porque na época do crescimento das águas, inunda vastíssimas áreas onde vivem os rebanhos, onde se faz a pequena agricultura de intenção alimentar, matando os rebanhos, destruindo as lavouras. O fenômeno das terras caídas toma proporções nesse período: enormes trechos das margens altas do rio e seus afluentes desabam, comidas pelas águas, tudo arrastando, inclusive gigantescos especímes da flora regional”. (Ferreira Reis)
As inundações
Vejamos como Raymundo Moraes nos descreve as inundações do grande rio:“A floresta farfulha debatendo-se na fúria desencadeada dos ventos. As árvores inclinam-se, arqueiam-se, perdem as copas quando não é o raio, numa linha quebrada e incandescente, que as fulmina lascando-as em duas, de alto a baixo. A natureza enfurecida urra sinistramente, apavorando animais e homens. A água todavia, continua a subir. Vai engolindo as faixas post-quaternárias, as várzeas e os tesos das campinas onde pastam os rebanhos. Os habitantes alarmam-se. Têm o pressentimento funesto de que a cheia ao contrário das cheias normais, traga a inundação destruidora de muitas épocas memoráveis. A fim de atenuar a desgraça, armam-se as marimbas para o gado, largos giraus de achas grossas e resistentes, sobre os quais a manada sobe e espera a estiada. Ao largo, no fio crespo da corrente, descem de bubuia, rumo da foz, os troncos de paus povoados de aves, as ilhas flutuantes de canarana agasalhando cobras, as canoas arrancadas aos portos, as bolas de borracha arrebatadas aos terreiros e as sementes vegetais das cordilheiras, que fazem, numa transplantação de selvas opostas, a flora do estuário, em alagadiços, ter semelhanças com a flora das nascentes, nos altiplanos.” E as chuvas continuam, invadindo campinas e florestas: “É o dilúvio! As marombas foram atingidas. Com as pernas mergulhadas semana a semana consecutiva, com os cascos descolados e o couro rachado, caem mortos os bezerros e as vitelas, as novilhas e os garrotes. Os fazendeiros e os agregados que se acham nas imediações, com as bagagens embarcadas em canoas e batelões, esperançados de que o desastre não fosse tamanho, mudaram-se para os firmes longinquos e transportam, nas suas pequenas arcas de Noé, as rezes que escapam. De 2 ou 3 mil cabeças restam 200, 300. Quem tinha 20, 30, fica reduzido a 5, 6 . É a miséria!” (Raymundo Moraes)
A metamorfose
“A principal característica do Amazonas é a metamorfose. Para fixar suas linhas de drenagem, na construção das molduras que o apertam no canyon, apaga de noite o que delineou de dia. Solapa, roe, gasta, para mais adiante restaurar. Os vastos cananaes que faziam a fortuna dos municípios de Santarem, Alenquer, Obidos e Parintins, contam-se no presente pela terça parte. Foi a corrente que os reduziu, foi a inundação que os matou. Campos extensos, rasgados a braços na gleba litoránea, com casas a 500 m da calha, na volta de 5 anos não existem mais, engulidos pela voragem fluvial. A ilha de Muratuba, pouco acima da foz do Trombetas, uma das mais povoadas, farta de plantações, extinguiu-se na investida de 3 enchentes. Manicoré, cidade do Madeira, está condenada” … (Raymundo Moraes)

Notas do texto:
(1)Reis, Arthur César Ferreira “O Impacto Amazônico na Civilização Brasileira” Rio de Janeiro, 1972.
(2)Roosevelt, Teodoro “Nas Selvas do Brasil” Imprensa Nacional. Rio de Janeiro, 1848
(3)Moraes, Raymundo “Na Planície Amazônica” Cia.Edit.Nal. São Paulo, 1938
(4)Nash, Rey “A Conquista do Brasil” Cia.Edit.Nal.São Paulo 1960http://my.opera.com/community/
Fotografia: aldimarreis@yahoo.com.br (Dinho Reis) " * caboclos pescadores na boca do Rio Manicoré - AM)".

segunda-feira, 15 de junho de 2009

- Carta Aberta ao Presidente da República -= LULA

Brasília, 04 de junho de 2009
Exmo.
Sr.Luiz Inácio Lula da Silva DD Presidente da República
Sr. Presidente,Vivemos ontem um dia histórico para o país e um marco para a Amazônia, com a aprovação final, pelo Senado Federal, da Medida Provisória 458/09, que trata sobre a regularização fundiária da região. Os objetivos de estabelecer direitos, promover justiça e inclusão social, aumentar a governança pública e combater a criminalidade, que sei terem sido sua motivação, foram distorcidos e acabaram servindo para reafirmar privilégios e o execrável viés patrimonialista que não perde ocasião de tomar de assalto o bem público, de maneira abusiva e incompatível com as necessidades do País e os interesses da maioria de sua população.Infelizmente, após anos de esforços contra esse tipo de atitude, temos, agora, uma história feita às avessas, em nome do povo mas contra o povo e contra a preservação da floresta e o compromisso que o Brasil assumiu de reduzir o desmatamento persistente que dilapida um patrimônio nacional e atenta contra os esforços para conter o aquecimento global.O maior problema da Medida Provisória são as brechas criadas para anistiar aqueles que cometeram o crime de apropriação de grandes extensões de terras públicas e agora se beneficiam de políticas originalmente pensadas para atender apenas aqueles posseiros de boa-fé, cujos direitos são salvaguardados pela Constituição Federal.Os especialistas que acompanham a questão fundiária na Amazônia afirmam categoricamente que a MP 458, tal como foi aprovada ontem, configura grave retrocesso, como aponta o Procurador Federal do Estado do Pará, Dr. Felício Pontes: “A MP nº 458 vai legitimar a grilagem de terras na Amazônia e vai jogar por terra quinze anos de intenso trabalho do Ministério Público Federal, no Estado do Pará, no combate à grilagem de terras”.Essa é a situação que se espraiará por todos os Estados da Amazônia. E em sua esteira virá mais destruição da floresta, pois, como sabemos, a grilagem sempre foi o primeiro passo para a devastação ambiental.Sendo assim, Senhor Presidente, está em suas mãos evitar um erro de grandes proporções, nãocondizente com o resgate social promovido pelo seu governo e com o respeito devido a tantos companheiros que deram a vida pela floresta e pelo povo Amazônia. São tantos, Padre Jósimo, Irmã Dorothy, Chico Mendes, Wilson Pinheiro – por quem V. Excia foi um dia enquadrado na Lei de Segurança Nacional – que regaram a terra da Amazônia com o seu próprio sangue, na esperança de que, um dia, em um governo democrático e popular, pudéssemos separar o joio do trigo.Em memória deles, Sr. Presidente, e em nome do patrimônio do povo brasileiro e do nosso sonho de um País justo e sustentável, faço este apelo para que vete os dispositivos mais danosos da MP 458, que estão discriminados abaixo.Permita-me também, Senhor Presidente, e com a mesma ênfase, lhe pedir cuidados especiais na regulamentação da Medida Provisória. É fundamental que o previsto comitê de avaliação da implementação do processo de regularização fundiária seja caracterizado pela independência e tenha assegurada a efetiva participação da sociedade civil, notadamente os segmentos representativos do movimento ambientalista e do movimento popular agrário.Por tudo isso, Sr. Presidente, peço que Vossa Excelência vete os incisos II e IV do artigo 2º; oartigo 7º e o artigo 13.
Com respeito e a fraternidade que tem nos unido, atenciosamente,Senadora Marina Silva